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COMO SE FORA UM CONTO, é o título de pequenos contos que ao longo do tempo fui escrevendo.
Na sua maioria foram já publicados em jornais e em blogues.
Alguns são inéditos.

terça-feira, 3 de agosto de 2010

A MINHA VIAGEM A PRAGA

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COMO SE FORA UM CONTO
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Já há muito tempo que desejava ir à República Checa. Minha mulher, sabendo desse desejo, marcou uma viagem num semana de férias. Era agora. Estava a chegar o dia.
Com entusiasmo, procurei nas casas de câmbios e nos principais bancos, coroas para trocar por euros.  Não havia, nada, nenhuma. Mas informaram-me que, logo no aeroporto de Ruzyne, e também por todo a cidade, encontraria locais para esse câmbio. Fiquei descansado. Afinal, iria para uma cidade, para um país, pertencente à Comunidade Europeia.
Desde o fim da década de oitenta do século passado que se pode, com facilidade, visitar esta cidade, durante tanto tempo escondida pelo regime comunista.
Iria conhecer o
antigo Cemitério Judaico, o Loreto, o Convento de Santa Inês, o Monte Petrin, a Galeria Nacional, a Catedral de S. Vito, a Praça Venceslau e aproveitar para relembrar a Primavera de Praga, o Castelo, a Praça da Cidade Velha para ver entre outras coisas o relógio Astronómico, e a Ponte Carlos, a mais importante da cidade, sobre o rio Moldava, tentando ver as estátuas de pedra. Iria andar à beira rio, parando para beber grandes copos de cerveja, visitaria museus e galerias de arte, iria a lojas e mercados, pararia para ouvir tocar os artistas nas ruas, e visitaria os locais por onde andou Dvorak, Mozart ou Kafka.
Iria ser mais uma visita que me iria ficar gravada para sempre, e eu estava realmente muito entusiasmado.
Entretanto, longe, muito longe, um vulcão despertou. Dormia já há cerca de duzentos anos. Resolveu acordar agora. Espreguiçou-se e vomitou lava e cinzas em quantidades fenomenais. Aos poucos os céus ficaram escuros. Uma enorme nuvem de cinzas vulcânicas, com doze quilómetros de altura, ameaçou inundar o planeta. Os problemas mundiais, ficaram reduzidos a cinzas.
Espalhou-se pela Europa, e a Europa parou. Os aviões pararam com receio da nuvem, e ela, cheia de força, foi aumentando de tamanho. As pessoas ficaram retidas nos aeroportos, estando, a maior parte deles, encerrados ao tráfego. Os comboios encheram. Os autocarros ficaram superlotados e iniciaram novas rotas. Os carros de aluguer desapareceram. Os prejuízos cresceram para os operadores turísticos e ninguém assumia quaisquer responsabilidades. Os taxistas europeus exultaram com o acréscimo de trabalho, excepto, vá-se lá perceber porquê, os portugueses.                        
A minha ida a Praga, começava a ficar comprometida. No entanto, a esperança seria a última a morrer. Tudo estava previsto para que ao meio dia do dia do meu voo, o aeroporto, lá no centro da Europa, abrisse.
Dia da partida, cinco da manhã.
Cheio de sono, dirigi-me ao aeroporto Sá Carneiro. Infelizmente, o meu voo teria uma paragem no aeroporto da capital do País. Detesto voos que não sejam directos.
Preparativos feitos, bilhete de embarque na mão, malas despachadas para Praga, e garantia verbal de que o aeroporto de Ruzyne estaria aberto no fim da manhã. Satisfeito, embarco rumo à República Checa, com paragem em Lisboa.
Dia da partida, dez e meia da manhã.
Aeroporto da capital do País que já foi um Império apinhado de gente, que esperava e desesperava por um avião que os levasse dali para fora. Brancos, pretos, amarelos, vermelhos ou mulatos, eram aos milhares. Uns zangados, alguns desesperados, muitos tristes, a maioria resignada.
Eu, contente, com o meu cartão de embarque no bolso.
Pouco antes da hora aprazada para o início do voo, a notícia. «Apesar da abertura do aeroporto na República Checa, e dadas as poucas garantias oferecidas pelos responsáveis de Ruzyne, a TAP não voaria para lá».
Que fazer?
Juntei-me aos outros milhares que desesperavam, com o acréscimo de raiva provocada por me terem enviado para o aeroporto da capital portuguesa, quando, soube na altura, a decisão de não efectuar o voo teria sido tomada cedo na manhã, a tempo de não me terem deixado embarcar.
Com muita sorte, misto de duas funcionárias competentes e da força de conjunto com outro companheiro de viagem, lá nos reenviaram para o Porto, tendo perdido no entanto a validade da ligação futura para uma outra visita à capital da República Checa, válida até ao final de ano.
Doze horas depois, estava de novo em casa, com uma semana de férias pela frente.
Meti-me no carro e lá vamos nós à aventura. Tinha ouvido falar de um hotel bom em Melgaço. Também tinha um rio e pontes e não tinha problemas de cinzas. Por lá fiquei dois dias. Comi bem. A Adega do Sossego é realmente um sossego e o bacalhau da Estalagem em Castro Laboreiro, é do melhor. Dormi melhor. Os quartos do hotel são realmente bons. Depois rumei a Mondim de Basto. O novo hotel, no cimo do monte, é do melhor, com uma paisagem fabulosa.
Ao fim de mais três dias, o regresso.
Esquecendo a necessidade de mudança de planos, a semana de férias foi do melhor que poderia ter tido. A troca de destino, acabou por ser benéfica.
Durante estes dias, fiz por não ouvir notícias. Normalmente são deprimentes e só servem para me aborrecer.
Chegado ao Porto, tive de saber das novas. Pelos vistos, foi uma semana onde nada aconteceu. Os aviões não voaram, o senhor Soares não falou falando e pedindo desculpas, o nosso Presidente ainda não decidiu o que fazer com o casamento gay, Valença continua sem Centro de Saúde, O PSD-Madeira, recusa mais uma vez comemorar o 25 de Abril, as portagens nas Scuts vão avançar segundo o governo mas uma providência cautelar pode parar todo o processo e as viagens da sra Inês continuarão a ser pagas por todos nós, ou talvez não.
Durante as minhas férias afinal, nada mudou, mesmo que eu e minha mulher não tenhamos ido a Praga.

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