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COMO SE FORA UM CONTO, é o título de pequenos contos que ao longo do tempo fui escrevendo.
Na sua maioria foram já publicados em jornais e em blogues.
Alguns são inéditos.

sexta-feira, 29 de março de 2013

DE COSTAS

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DE COSTAS
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De costas. Estava sentado ao balcão da pastelaria de costas para toda a gente.
Quando entrara ouvira o esmorecer das conversas até ao quase absoluto silêncio.
Sentia os olhares dos presentes cravados nas suas costas, como se ele não pertencesse àquele lugar. As pessoas clientes sentiam-se incomodadas com a presença dele. As pessoas empregados da pastelaria "apreciavam" o espectáculo e esperavam pelo desfecho. Também ele se estava a sentir incomodado. O coração batia forte e devagar, latejando nas têmporas.
De repente, um toque no ombro esquerdo
-Olá, viva, como está? Então lá foi, não é? É a vida! Tem de ter paciência... e força!
E ele a olhar fingindo não saber quem era que se lhe dirigia
-Bem, gostei de o ver. Até qualquer dia. Dê cá um abraço... e um beijo, já agora
E ao seu ouvido, baixinho
-Era muito amiga dela, sabe? Muito amiga. Desculpe-me não ter ido, mas só soube depois. Ninguém me disse.
Ninguém lhe disse! Claro que ninguém lhe disse, nem a ela nem às outras, fora ordem dele, que não queria que por lá aparecessem. As amigas não eram aquilo.
E ele lá ficou mudo e inerte a receber o amplexo, e o beijo húmido, e o cheiro muito leve a naftalina. De braços caídos, indiferente, mantendo o olhar distante e inquiridor.
-Dê um beijo a todos lá em casa.
E lá se foi, de cabeça baixa, fungando como se estivesse comovida, andar bamboleante e um pouco trémulo, que a idade não perdoa.
Não lhe apetecia nada falar com aquela gente, não, com gente daquela não queria mesmo, incomodavam-no. Desde a doença, anos atrás, que se tinham esquecido por completo da amiga de folias de muitos anos. Para quê lembrarem-se agora?
Outros toques nos ombros, novas palavras ocas, sem sentido, novo olhar vazio, da parte dele. Propositado, provocatório. Mais uns quantos abraços, e sempre o mesmo silêncio da sua boca. Durante todo este teatro, não disse uma só palavra. Até que se cansou. Levantou-se, olhou à volta enfrentando os presentes, olhando-os nos olhos, e dirigiu-se para a porta, primeiro com o cenho ferrado, depois, consoante se aproximava da saída, com um ar cada vez mais aliviado.
De novo aqueles olhares cravados nas suas costas. Sentia-os perfeitamente, mas já não o incomodavam. Tinha cumprido o seu propósito.
Após ter cruzado a porta, o ruído das conversas fúteis e vazias eivadas de bilhardices terá regressado como se espera. A vida na pastelaria, continuava.
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2 comentários:

  1. Encontrei seu blog e é uma honra estar a ver e ler o que escreveu, quero felicitar-vos, pois é um bom blog, sei que irá sempre fazer o melhor, dando-nos boas noticias, e bons temas.
    Quero aproveitar a oportunidade para partilhar o meu blog : Peregrino E Servo.
    Vou ficar muito feliz se tiver a gentileza de fazer uma visita ao meu blog.
    PS. Se seguir, fique a saber que irei seguir também seu blog, se o conseguir encontrar.
    António Batalha.

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