O SENHOR ARTUR
Artur,
divorciado mas a viver maritalmente com Joana, sem filhos desta união,
atravessava o Jardim do Passeio Alegre, na Foz do Douro, com passo apressado.
Era
a sua maneira de andar, sempre o fora, um andar quase marcial. Pensava que dessa
maneira se manteria durante mais tempo, dono de uma capacidade física
invejável, facto de que já recebera a condigna desilusão. Uma maleita nas
costas e nas articulações fizeram dele um homem mais triste, e até, quase
acabrunhado.
Mas
não desistia, da sua maneira de andar, de pegar em pesos sempre que os que dele
gostavam não estavam atentos, e de se esquecer de ter as maleitas em atenção, e
por via disso, de se cuidar.
Olhos
no chão, como era seu costume, lá acabara de passar pela fonte, vindo dos lados
do Chalé Suisso, e seguia em direcção aos mictórios públicos, mesmo ao lado do
Mini Golfe.
-
Olá senhor Antunes, boa tarde.
Foi
como se não tivessem falado para ele. Não ligou nenhuma.
-
Senhor Antunes, ó senhor Antunes, boa tarde. Está bonzinho?
Teve
de parar, já que a dona da voz e do chamamento estava especada à sua frente.
-
Boa tarde menina … disse, com um ar vago.
-
Sou a Cristina, a amiga da Joaninha.
-
Pois claro que é disse, sorrindo.
E
sem o deixar dizer mais fosse o que fosse, Cristina continuou:
- Já
não o via há algum tempo, o senhor está com bom aspecto, sempre jovem. Tenho
falado com a Joana, e ela tem-me dito que o senhor está muito bem, com menos
dores, e que os netinhos, são três não é (?), estão lindos. Pena foi a
jaquitita ter partido, mas a vida é assim e os animais vivem sempre menos que
nós, não é (?). E a sua irmã, como vai(?), soube que já tem a família toda com
ela e agora até tem um cãozito que vos dá água pela barba. E o gatinho (?),
continua lindo (?), é tão bonito, nunca vi um gato assim, tão lindo.
Artur
estava sem fala. A mulher não se calava e ele ainda não tinha tido oportunidade
de lhe dizer que não se chamava Antunes. Só isso o incomodava. O resto estava
bem, a Joana, a jaquitita e o gato e tudo o resto. Até lhe parecia que a
conhecia. Melhor, tinha a certeza de que a conhecia, embora se não lembrasse do
nome. Ela tinha dito que se chamava Cristina, mas ele não tinha a certeza de
que fosse esse o nome de que se não lembrava. E ele não se chamava Antunes,
Antunes é que não. Lopes, Lopes é que era o nome dele.
-
….. e então, nessa altura a Joaninha foi-se a ele e, o senhor Antunes havia de
ter visto, com o cão a rosnar e a arreganhar os dentes, deu-lhe umas bofetadas
que o puseram a ganir e a afastar-se do vosso gatinho. A Joana é de fibra, o
senhor Antunes bem o sabe.
E lá
estava ela com o Antunes para cima e para baixo, falava o já exaltado
pensamento de Artur, e não se calava nem lhe dava tempo para a interromper e
lhe dizer que estava tudo bem, mas o nome dele era Lopes, LOPES, ouviu?, dizia
o pensamento, já aos berros.
-
Bem já se vai fazendo tarde. Gostei de o ver senhor Antunes, dê saudades minhas
à Joaninha, e diga-lhe que um dia destes eu lhe telefono para combinar um
cafezinho ou um almoço. Dê cá dois beijinhos … Até qualquer dia.
-
Até qualquer dia menina … boa tarde.
Artur
não foi capaz de dizer mais nada. Estava tonto de a tentar ouvir e de lhe
tentar dizer que o nome dele era Lopes, não era Antunes.
Recomeçou
a caminhada. Cristina já lá ia, longe, a atravessar a rua, junto ao Twins.
Dirigiu-se ao mictório, já que uma muito grande vontade de urinar lhe tinha
aparecido, assim, do nada.
O
raio do nome não lhe saía da cabeça, Antunes, como se atrevia ela a chamar-lhe
isso, ele chamava-se Lopes, não parava de repetir entre dentes, Lopes, Lopes.
- Antunes
… que raio de nome …, pensou já em voz alta.
De
supetão a memória acordou, lembrou-se que Antunes era o nome de família de
Joana.
Joana,
com quem, semanas atrás, tinha casado, depois de mais de vinte anos de vida em
comum … e …, lembrou-se …, na Conservatória, a Conservadora, que tinha exigido
que uma das portas estivesse aberta, tinha perguntado se algum deles ia adoptar
o nome do outro … e …oh diabo… ele disse que sim, que ia!
Artur
Lopes, agora Artur Lopes Antunes, por força, e obra, e graça, das modernices da
Lei, de pé, virado de frente para o mictório vertical, aliviava-se, sem dar
conta de que uma enorme mancha se ia espalhando pelas calças.
(Lido pela primeira vez, em público, na sessão de O PROGRESSO DA FOZ , na 1ª Feira do Livro da Foz do Douro, no passado dia 27/07/2014)
Gostei.
ResponderEliminarLembra gente comum da minha infância e juventude.
Contingências da terceira idade muito bem descritas e lidas com avidez.
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